03/02/2010

O que é a eternidade?




Há uma concepção parcialmente errônea da atual divina eternidade entre aqueles que se contentam em definí-la como uma duração sem começo e sem fim, pensando vagamente a respeito como tempo sem limite, tanto no passado quanto no futuro.

Tal noção de eternidade é inadequada: porque o tempo que não tem começo, -não tem primeiro dia-, sempre será, entretanto, uma sucessão de dias, anos, séculos; uma sucessão abraçando um passado, um presente e um futuro. Isso de forma alguma é eternidade. Nós podemos voltar ao passado e enumerar os séculos sem jamais chegarmos no fim, assim como podemos pensar num tempo vindouro aonde nós imaginamos atos futuros das almas imortais como uma série sem fim. Mesmo se o tempo não tivesse começo, ainda assim nós teríamos tido uma sucessão de momentos variados.

O instante presente, que constitui a realidade do tempo, é um transitório instante entre o passado e o futuro ("nunc fluens", diz-nos São Tomás), um transitório instante como as águas de um rio, ou um aparente movimento do sol, do qual contamos os dias e as horas. O que, então, é o tempo? Como diz-nos Aristóteles, é a medida do movimento, mais especialmente da moção do sol ou da terra em torno do mesmo, a rotação da terra em seu eixo constituindo um dia e, um ano, ao redor do sol. Se a terra e o sol foram criados por Deus desde toda eternidade e o movimento regular da terra ao redor do sol não teve começo, nós não teríamos o primeiro dia ou o primeiro ano, mas teríamos sempre tido uma sucessão de anos e séculos. Tal sucessão teria tido, então, uma duração infinitamente inferior á eternidade; pois teríamos sempre tido a distinção entre passado, presente e futuro. Em outras palavras, multiplique os séculos por milhões e milhões e ainda teremos tempo, sempre; não importa a soma do resultado alcançado, pois ele nunca será eternidade.

Se definirmos, então, a divina eternidade como uma duração sem começo ou fim é inadequado, como definí-la? A resposta da Teologia é de que seja uma duração sem começo ou fim, mas com essa característica muito distinta, que nela não há sucessão de passado e futuro, e sim um eterno presente. Não é um rápido instante como o passar do tempo, mas um instante imóvel que nunca passa, um instante inalterável. É o "agora que fica, não o que flui e desaparece", nos diz Santo Tomás (Ia, q. 10, a. 2, obj. ia), como a manhã perpétua que não possui madrugada e não conhecerá anoitecer. Como devemos compreender esse único instante de uma eternidade imutável? Aonde tempo, essa sucessão de dias e anos, é a medida de um aparente movimento do sol ou a real moção da terra, eternidade é a medida ou duração do ser, do pensamento e do amor de Deus. Esses sim são absolutamentes imutáveis, sem mudanças, variações ou vicissitudes. Como Deus é, por necessidade, a infinita plenitude do ser, não existe nada para Ele ganhar ou perder. Deus nunca pode aumentar ou diminuir em perfeição; Ele é a própria imutável perfeição.

Essa fixação absoluta do ser divino extende necessariamente para Sua sabedoria e arbítrio; qualquer mudança ou progresso na sabedoria ou amor divino acarretaria imperfeição.

A imutabilidade, no entanto, não é uma imutabilidade de inércia ou morte; e sim da vida suprema, possuindo uma vez por todas tudo o que é possível e correto, não tendo assim que adquirí-la ou correr o risco em perdê-la.


(Continuação num vindouro post)
Excerto de Providência, Fr. Garrigou-Lagrange, O.P.

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