D. Tissier de Mallerais: “A fé vem antes da legalidade”
Há dez anos nós entrevistamos D. Tissier de Mallerias a propósitdo da publica-
ção de sua espessa biografia sobre D. Lefebvre publicada pela editora Clovis:
Marcel Lefebvre. Une vie. O ex-Arcebispo de Dakar concedeu em 1968 uma
longa entrevista a RIVAROL, que fez história, dois anos antes de fundar a
Fraternidade São Pio X. Por ocasião da reedição de sua obra L’étrange
théologie de Benoît XVI, Herméneutique de continuité ou rupture, por Les
Edition du Sel, convento de Haye em Bonhommes, 49240 Avrillé (19 euros),
nós entrevistamos novamente D. Tissier num momento em que graves
divisões emergem no seio da Fraternidade Sacerdotal São Pio X sobre a ques-
tão de um acordo com Bento XVI. Nesta entrevista realisada em 1º de junho,
pode-se ver que D. Tissier nasceu em 1945, que é um dos quatro bispos sagra-
dos pelo Prelado de Ecône em 30 de junho de 1988 – o único de nacionalidade
francesa – e que se opões claramente à estratégia, de D. Fellay, de adesão a
Bento XVI.
RIVAROL: Fala-se muito da “reintegração” iminente da Fraternidade Sacerdotal
São Pio X (FSSPX) na “Igreja Oficial”. O que exatamente é isso?
D. TISSIER de MALLERAIS: “Reintegração”: o termo é falso. A Frater-
nidade São Pio X (FSSPX) não deixou nunca a Igreja. Ela está no
coração da Igreja. A Igreja está onde se encontra a pregação autêntica
da fé. Esse projeto de “oficialização” da FSSPX deixa-me indiferente. Nós não
necessitamos disso nem tampouco a Igreja o necessita. Nós já estamos sobre
o pináculo, como um sinal de contradição que atrai as almas nobres, que
atrai muitos padres jovens apesar de sermos como párias. Quer-ser pôr nossa
luz sob o alqueire através de nossa integração no orbe conciliar. Esse estatuto
de prelazia pessoal que se nos propõe, análoga àquela do Opus Dei, é um
estatuto para um tempo de paz. Mas nós estamos, atualmente, num
tempo de guerra na Igreja. Querer “regularizar a guerra”, isso
seria uma contradição.
R.: Mas alguns na Fraternidade São Pio X pensam que, mesmo assim, isso seria
uma boa coisa. Essa situação “irregular” não lhe causa vergonha?
D. TISSIER: A irregularidade não é nossa. É de Roma. Uma Roma mo-
dernista. Uma Roma liberal que renunciou a Cristo Rei. Uma Roma
que foi condenada por antecipação por todos os papas até às
vésperas do Concílio. De outra parte, a experiência das sociedades sacer-
dotais que aderiram à Roma atual nos mostra que todas, umas após as
outras, incluindo Campos e o Bom Pastor, para poderem coabitar tiveram de
aceitar o Concílio Vaticano II. E sabe-se o que se tornou D. Rifan, de Campos,
que agora não vê mais impedimento algum em celebrar a Missa Nova e que
proibiu seus padres de criticar o Concílio!
R.: O que o Sr. responde àqueles que creem que Roma mudou com Bento XVI?
D. TISSIER: Que Bento XVI fez alguns gestos em favor da Tradição, é correto.
Principalmente ao declarar que a Missa tradicional nunca foi ab-rogada e,
depois, ao suprimir em 2009 a assim chamada "excomunhão" que foi declarada
contra nós em seguida à nossa consagração episcopal por D. Lefebvre. Esses
dois gestos positivos atraíram a Bento XVI queixumes amargos da parte do
episcopado. Mas o Papa Bento XVI, verdadeiramente Papa, conti-
nua modernista. Seu discurso programático de 22 de dezembro de 2005 é
uma profissão da evolução das verdades de fé segundo as idéias dominan-
tes de cada época. Apesar desses gestos favoráveis, sua real intenção em nos
integrar no orbe conciliar, só pode ser para nos trazer de volta ao
Vaticano II. Ele o disse a S. Excia. D. Fellay mesmo em agosto de 2005 e uma
nota confidencial dele próprio, publicada fraudulentamente, recentemente
veio a confirmá-lo
R.: Mas alguns pensam que Bento XVI vem da Baviera católica e que é, julgam
eles saber, “de uma profunda piedade desde sua juventude”, inspira confiança.
O que o Sr. lhes responde?
D. TISSIER: É verdade que este Papa é muito simpático. Ele é um homem
amável, polido, refletido, um homem discreto, mas uma autoridade natural,
um homem de decisão que resolveu muitos problemas na Igreja por sua
energia pessoal. Por exemplo os problemas morais em tal ou tal instituto
sacerdotal. Mas ele está imbuído do Concílio. Quando diz que a solução
do problema da FSSPX é uma das tarefas principais de seus pontificado,
ele não vê onde está o verdadeiro problema. Ele o situa mal. Ele o vê no
nosso, como se diz, cisma. O problema, no entanto, não é o da FSSPX,
mas é o problema de Roma, da Roma neomodernista que não é
mais a Roma eterna, que não é mais a mestra de sabedoria e de
verdade, mas sim transmutada em fonte de erro do Concílio
Vaticano II até hoje.
R.: Como, então, para o Sr., se resolverá esse desacordo, julgado por muitos
escandaloso, entre a FSSPX e Bento XVI?
D. TISSIER: Que a FSSPX é uma “pedra de tropeço” para aqueles que
resistem à verdade (cf. I Ped. II, 8), é verdade; e isso é um bem para a
Igreja. Se formos “reintegrados”, cessaremos pelo menos fato de ser esse
espinho cravado no flanco da Igreja Conciliar, de ser uma reprovação
viva da perda da fé em Jesus Cristo, em sua divindade, em sua realeza.
R.: Mas, Bispo, o Sr. escreveu juntamente com seus dois colegas uma carta
à S. Excia. D. Fellay rejeitando um acordo puramente prático com Bento XVI.
Quais são as razões dessa rejeição?
D. TISSIER: A difusão de nossa carta é devida a uma indiscrição de que não
somos culpáveis. Nós rejeitamos um acordo puramente prático
porque a questão doutrinal é primordial. A fé vem antes da
legalidade. Não podemos aceitar uma legalização sem que o
problema da fé seja resolvido. Submetermo-nos agora sem condição
à autoridade superior imbuída de modernismo nos exporia ao dever de
desobedecer. Que vantagem, então? D. Lefebvre disse em 1984: “não se
põe sob uma autoridade quando essa autoridade tem todo o
poder para nos destruir”. E eu creio que isso é sábio. Eu quereria
que produzíssemos um texto que, renunciando às sutilezas
diplomáticas, afirmasse claramente nossa fé e, por conseguinte,
nossa rejeição aos erros conciliares. Esse pronunciamento teria
primeiramente a vantagem de dizer a verdade abertamente ao
Papa Bento XVI, que é o primeiro a ter direito à verdade e, depois,
de restaurar a unidade dos católicos da Tradição em torno de
uma profissão de fé combativa e inequívoca.
R.: Alguns creem que o estatuto de prelazia pessoal que se lhes oferece preser-
varia-os de qualquer perigo de abandonar o combate pela fé.
O que o Sr. responde?
D. TISSIER: Isso é inexato. Segundo o projeto de prelazia, não seríamos
mais livres para abrir novos priorados sem a permissão dos
bispos locais; além de todas as nossas recentes fundações
também deverem ser confirmados por esses mesmos bispos.
O que equivaleria, portanto, a escravizar-nos bem inutilmente
a um episcopado em geral modernista.
R.: Pode o Sr. precisar-nos esse problema de fé que o Sr. quer ver resolvido
em primeiro lugar?
D. TISSIER: De muito bom grado. Como dizia D. Lefebvre, é o da
tentativa do Concílio Vaticano II de reconciliar a Igreja com a
revolução, de conciliar a doutrina da fé com os erros liberais.
Isso é o que o próprio Bento XVI disse, em novembro de 1984, em sua
entrevista a Vittorio Messori: “o problema dos anos 1960
(logo, o do Concílio) era a aquisição dos valores mais bem amadurecidos de
dois séculos de cultura liberal. Esses são os valores que, se bem nascidos fora
da Igreja, podem encontrar seu lugar, uma vez purificados e corrigidos,
em sua visão de mundo. E isso é o que se tem feito.” Essa é a obra do
Concílio: uma conciliação impossível. “Que conciliação pode
haver entre a luz e as trevas?”, diz o Apóstolo, “que acordo entre
Cristo e Belial?” (II Cor VI, 15). A manifestação emblemática dessa
conciliação é a Declaração sobre a liberdade religiosa. No lugar da
verdade de Cristo e de Seu reino social sobre as nações, o concílio
coloca a pessoa humana, sua consciência e sua liberdade. Isso é a
famosa “mudança de paradigma” que confessava o Cardeal Colombo
nos anos 1980. O culto do homem que se fez Deus substituiu o culto de
Deus que se fez homem (cf. Paulo VI, discurso de encerramento do
Concílio, 7 de dezembro de 1965). Trata-se de uma nova religião
que já não é a religião católica. Não queremos nenhum compro-
misso com essa religião, nenhum risco de corrupção, nem mesmo
qualquer aparência de conciliação; e é essa aparência que nos
dará a nossa assim chamada “regularização”.
Que o Imaculado Coração de Maria, Imaculado em sua Fé, nos guarde
na Fé Católica.
Entrevista de Jérôme BOURBON.
Tradução SPES
Italics e bold são meus.
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